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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O Google e a ditadura das “certezas”.


 Folha de S. Paulo

A situação é banal e cotidiana, mereceria análise. Acesso o Google e digito “qual é”. Antes que consiga concluir o raciocínio, o sistema se apressa a finalizar minha pergunta, sugerindo: “o seu talento?”, “a boa?”, “o período fértil”, “o dia dos namorados?”. Sua prestatividade é compulsiva, típica de quem tem 12 anos, está fascinado em aprender os segredos do mundo e em ler a mente de seu interlocutor.
Por mais que sua energia irrite de vez em quando, é cômodo ter um servo desses por perto. Chega a beirar a decadência a forma e a intensidade com que se pergunta de tudo a ele, até mesmo coisas cuja resposta é conhecida, como o site do banco, do jornal – ou do próprio Google.
Há pouco mais de uma década, a informação tinha mais gosto de aventura. Em uma festa, um especialista poderia fascinar seus interlocutores com teorias e leituras. Hoje ele seria contestado por smartphones, cujo acesso ao Grande Repositório teriam sempre a informação mais fresca, mais atualizada, mais popular.
Com a valorização da precisão, do volume e do acesso, os dados crus tomaram o lugar do contexto, a precisão ocupou o posto da descoberta, a resposta ficou mais importante que a pergunta. Não é um bom sinal.
Mentalidades, religiões e ideologias restritas são ambientes de certezas absolutas. A ditadura da opinião popular impede o aparecimento de qualquer nova ideia que, exatamente por ser nova, causa estranheza e desconforto.
As palavras “civilização” e “cidade” têm a mesma origem, porque sempre foi preciso reunir um grupo extenso e variado de pessoas com históricos, formações e ideias múltiplas para criar algo efetivamente novo.
A internet surgiu como uma gigantesca cidade, uma rede conectora de cérebros ao redor do mundo. Poucos imaginariam que o efeito colateral da informação que ela popularizou seria o surgimento de uma nova economia, baseada em atenção. Quando todos falam, não há tempo nem interesse para que alguém seja todo ouvidos.
Daí a importância de um Google, que, curiosamente, não traz resposta alguma. Sua função é encontrá-la, agregá-la e redirecioná-la com base em sua popularidade. Páginas que tenham muitos links a referenciá-las ganham acesso à elite das 20 primeiras respostas encontradas, desde que se comportem adequadamente e falem direitinho, configurando seu código para atender às regras de boa etiqueta definidas pelo próprio sistema.
A voz do povo torna-se a voz de Deus, por mais que seja difícil acreditar que alguma das 1,5 bilhão de páginas que referenciam “God” acreditem na infalibilidade da opinião pública.
A busca é só uma parte da inteligência que vem sendo terceirizada. Como ela, a orientação espacial e a tradução estão cada vez mais parecidas com a aritmética: técnicas arcaicas, quase desnecessárias. O Google+ provavelmente assumirá a verificação de referências e linhagem, função que hoje é relegada ao Facebook e um dia foi usada por sobrenomes ou castas.
Com o tempo, este poderoso servo ganha corpo e um poder sem precedentes. Seus olhos estão aí para nos ver melhor. Seus ouvidos, para nos escutar melhor. Como donos de cães de guarda, confiamos na lealdade de quem jurou nunca “fazer o mal”. Mas o que é “fazer o mal”? Não sei, pergunte para o Google.

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